Argumentos críticos sobre o filme “Quem somos nós”.

Quem somos nós O filme “Quem somos nós” foi lançado por volta de 2004 e mais tarde no Brasil. Em uma das semanas de psicologia da UERJ fui convidado para participar de uma mesa redonda sobre o mesmo. Havia assistido ao filme, mas não dei importância ao mesmo, pois o assisti como um entretenimento, uma ficção. Porém, uma vez convidado para falar sobre o mesmo, achei o material abaixo, e aí percebi que não era apenas uma ficção visando lucros de bilheteria, mas uma propaganda ideológica, religiosa, um chamariz, visando preparar, fisgar, adeptos. Assim, resolvi publicar o levantamento que fiz pois julgo ter serventia para os incautos e adoradores de distorções, algo que se convencionou chamar de pseudociência, ou seja, usa-se alguns argumentos verdadeiros, extraídos da pesquisa científica, e se liga estes com conclusões falsas, como foi o caso da “tal hipnose quântica” (que pode ser lido em outro artigo neste blog).

A 1ª crítica é de Ken Wilber, as demais críticas foram extraídas do blog sobre ciência e pensamento crítico, intitulado “O Dragão da Garagem”, alusão aos argumentos de Carl Sagan que ilustra como o pensamento científico procede se alguém declara que tem um dragão em sua garagem… É preciso provar, e se não houver evidências que comprovem a existência do tal dragão… Não se pode perder tempo com algo assim em ciência. Boa leitura.

Girl and dragon Quem Somos Nós?”, crítica de Ken Wilber

O surpreendente sucesso desse filme independente mostra simplesmente como as pessoas estão necessitadas de algum tipo de validação para uma visão-de-mundo mais espiritual e mística. Mas os problemas com ele são tão grandes, a ponto de ser difícil saber por onde começar. What the Bleep foi montado a partir de uma série de entrevistas com físicos e místicos, todos fazendo afirmações ontológicas sobre a natureza da realidade e sobre o fato que – sim, adivinhe – “você cria sua própria realidade”. Mas você não cria sua própria realidade; quem faz isto são os psicóticos.

Há no mínimo seis importantes escolas de física moderna e nenhuma delas concorda com as afirmações genéricas e radicais apresentadas no filme. Nenhuma escola de física acredita que um ser humano possa colapsar a equação da onda de Schroedinger em 100% dos átomos de um objeto de modo a “trazê-lo” para a existência. A física é simplesmente terrível nesse filme, e o misticismo não fica atrás, sendo aquele de uma pessoa (“Ramtha“) que afirma ser um guerreiro de trinta e cinco mil anos de idade proveniente da Atlântida.

Física ruim e misticismo fosfórico: as pessoas estão famintas desse tipo de coisa; Deus as abençoe. Entre o modernismo (e o materialismo científico) e o pós-modernismo (e a negação da profundidade), não sobra nada para alimentar a alma; assim, What the Bleep teria de ser recebido com um reconhecimento febril. Desculpe-me por ser tão severo com ele, já que, sem dúvida, as intenções são decentes; mas é exatamente esse tipo de bobagem que gera uma inacreditável má fama para o misticismo e a espiritualidade entre os cientistas reais, todos pós-modernistas, e entre as pessoas que conseguem ler sem mover os lábios.
(Tradução de Ari Raynsford, excerto do livro Integral Spirituality)

26.11.06

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O Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” – Parte 1

Extraído de http://dragaodagaragem.blogspot.com.br/2006/11/o-guia-ctico-para-assistir-what-bleep.html

É um trabalho chato mas alguém tem que fazê-lo. Depois de ver o documentário “What the Bleep do We Know” sendo citado seriamente em rodas acadêmicas e vazando para além do circuito nova-era até chegar às aulas das universidades sem que nenhum cientista sério desse país reagisse, decidi fazer alguma coisa: arregacei as mangas, preparei o espírito para 90 minutos do mais terrível besteirol esotérico que um homem deveria se obrigado a suportar, e comecei a escrever o “O Guia Cético para Assistir ‘What The Bleep do We Know’”.

Este guia será composto de duas ou três partes, e talvez duas versões: uma mais descolada, que será postada nesse blog, e uma mais séria com um pouco mais de embasamento científico, que será publicada posteriormente no Projeto Ockham.

Traduzindo literalmente, “What a Bleep do We Know” ficaria algo como “Que raios nós sabemos?” embora o “bleep” seja uma onopatopéia para os irritantes bips que os pudicos americanos usam para soterrar palavrões de 4 letras muito mais pesados do que “raios”. Por isso os distribuidores brasileiros, que sempre se acham capazes de melhorar o título original de um filme ficaram com o título “Quem Somos Nós?“. Pelo menos nos livraram de ver o filme se chamar “Um Físico Muito Louco” ou “A Física Quântica do Barulho”, o que pensando bem, talvez fosse mais apropriado neste caso.

“Quem Somos Nós?” narra a estória de Amanda, uma fotógrafa surda que é levada a percorrer uma jornada espiritual em busca das respostas que todos os seres humanos gostaram de ter: de onde viemos, para onde vamos e tudo o mais que acontece entre essas duas coisas. A diferença é que aqui as respostas buscam embasamento nos conceitos de física quântica, aquele assunto cabuloso que já levou o físico prêmio Nobel Richard Feynmam a dizer: “Se você acha que entende física quântica então você não entende física quântica”.

Apresentando os culpados
Antes de se perguntar quem somos nós, você deveria perguntar quem são as pessoas que fizeram esse filme. Porque isso pode afetar completamente a experiência de assisti-lo.

Um dos principais narradores de “Quem Somos Nós?” é Ramtha, o espírito de um guerreiro da Lemúria. Preste atenção: a pessoa que vai falar pelos próximos 90 minutos com você sobre Neurologia e Física Quântica é o espírito de um guerreiro que viveu em um continente mitológico há 35.000 anos, canalizado por um médium! Não sei quanto a você, mas se algum dos meus professores tivesse apresentado essas credenciais no primeiro dia de aula eu teria me retirado da sala e da universidade. Para evitar que você faça o mesmo no cinema essa preciosa informação somente é revelada no encerramento do filme, já nos créditos finais, o que é uma trapaça danada se você pensar bem.

O médium que canaliza Ramtha no filme é a mulher loira conhecida pelo pseudônimo de JZ Knight. Segundo ela Ramtha, um espírito iluminado que, tal qual Jesus, ascendeu aos céus depois de sua morte, se manifestou pela primeira vez na cozinha da sua casa em 1977. De lá para cá, a mulher fundou uma seita, a Ramtha School of Enlightenment e passou a faturar milhões em seminários, cursos, livros, fitas e bibelôs sobre os ensinamentos de Ramtha. Como JZ possui o copyright sobre Ramtha, é pouco provável que o espírito se manifeste para outro futuro milionário por um bom tempo (será que alguém já registrou o domínio intelectual sobre o Dr. Fritz?).

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Ah sim, por coincidência os produtores e os três diretores de “Quem Somos Nós?” são membros da seita de Ramtha. Você sabe o que isso significa, certo? Que “Quem Somos Nós?” é simplesmente um longo comercial sobre uma lucrativa seita que promove a crença em reencarnação, continentes lendários, UFOS e outras bobagens esotéricas. Se você está apto a aceitar isso será mais um expectador feliz desse filme; na verdade, depois dele, pode até ingressar na seita.

Outro falante em “Quem Somos Nós?” é Jeffrey Satinover. Jeff é um médico que acredita que a homosexualidade é uma doença e que ele tem a cura (http://www.satinover.com/main.htm clique no link “homosexuality”). Além de afirmar que o homosexualismo é um mal psiquiátrico que pode ser tratado com antidepressivos, Satinover afirma que o liberalismo causa danos cerebrais. De acordo com um artigo exposto em seu site (use o link “liberalism”), Satinover acredita que…

…é possível que dos mais ou menos 70% que apoiaram, digamos, Bill Clinton, uma parte substancial sofresse de retardadamento mental como resultado da influência liberal das universidades e da mídia

Ou seja, basicamente este homem, que logo falará conosco sobre física quântica, consciência global e paz mundial, está dizendo que se você está contra Bush provavelmente é um retardado mental. Se você ainda por cima for gay isso quer dizer que é doente e retardado mental. Isso sem mencionar que Satinover também mantém links para sites que tratam do Código da Bíblia — a crenca pseudocientífica de que a Bíblia traz criptografadas previsões sobre o futuro da humanidade.

Temos ainda em “Quem Somos Nós?” o físico PhD, John Hagelin. Hagelin é físico téorico com importantes trabalhos publicados na área das supercordas, embora sua última contribuição decente para a ciência tenha sido em 1994. Desde então Hagelin envolveu-se cada vez mais com a Meditação Transcedental, técnica do guru indiano que-diz-que-pode-levitar-mas-que-ninguém-nunca-viu-levitar Maharishi Mahesh Yogi do qual Hagelin é discípulo, assim como o foram os Beatles. Suas sucessivas tentativas de incorporar o misticismo oriental em suas teorias físicas o deixaram à margem da comunidade científica e o afastaram de seus ex-colaboradores. Seu mais notável trabalho desde então foi um estudo sobre como a meditação coletiva diminuiu a criminalidade na cidade de New York. Por este trabalho irreprodutível Hagelin foi laureado do prêmio Ig Nobel da Paz, uma paródia do prêmio Nobel. Hagelin foi quatro vezes candidato à presidência dos EUA; hoje preside o Instituto de Ciência, Tecnologia e Política Pública da Universidade Maharishi, uma universidade nova-era fundada por seu guru.

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Completando o time de “Quem Somos?” vêm o quiroprático Joe Dispenza (só para esclarecer: a quiroprática é uma pseudomedicina sem nenhuma comprovação científica) e Michael Ledwith, ex-quase arcebispo de Dublin, Irlanda. Michael, que mudou seu nome para Miceal, foi afastado da Igreja Católica por defender a tese de que Jesus Cristo tinha um irmão gêmeo idêntico (embora possa ter colaborado para seu afastamento o fato de ter sido acusado de abusar sexualmente de um jovem seminarista, caso que foi resolvido mediante um acordo financeiro). Autor do livro “O Universo Hamburger” (não, eu não estou inventando!) Ledwith ministra o curso “Além do Código Da Vinci – Revelando a Vida Quântica de Jesus”, unindo de maneira inacreditável dois dos mais lucrativos filões em voga atualmente. Ambos são discípulos do culto Ramtha, embora isso não seja revelado nos créditos do filme.

Quem também aparece no filme é o físico David Albert, professor na universidade de Columbia, nos EUA. David é um físico respeitável com credenciais sólidas. Por isso ficou chocado ao ver como as entrevistas que deu foram editadas de maneira a dar a entender que coaduna com as opiniões místicas dos produtores do filme:

Eu fui editado de maneira a suprimir completamente meus verdadeiros pontos de vista sobre o assunto que o filme trata. Eu sou, na realidade, profundamente contrário às tentativas de unir física quântica a consciência. Mais ainda, eu expliquei tudo isso, com grandes detalhes, em frente à câmera, para os produtores do filme. Se eu soubesse que eu poderia ser tirado do contexto tão radicalmente eu com certeza não teria aceitado participar do filme.

Chile (13)

Um ex-padre que pregava o evangelho do irmão gêmeo de Jesus, um médico que quer curar os gays e acha que os liberais são retardados mentais, outro que exerce uma terapia não reconhecida pela ciência, um físico praticante de levitação, um cara morto há 35.000 anos baixando em uma dona loira e, em má companhia nesta turma, um físico sério enganado pelos discípulos de uma seita maluca. Bem, agora que você já sabe onde está pisando vamos assistir ao filme na internet, caso você ainda não tenha assistido.

Prof. Celso Lugão acrescenta: “Eu não conseguiria ver novamente… Uma perda de tempo!

Bem, tirem suas conclusões, segue…

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O Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” – Parte 2

Na primeira parte deste Guia, apresentei as pessoas por trás da realização do documentário “What the Bleep do We Know?” (Quem Somos Nós?). Mostrei que os produtores, os três diretores e até alguns dos cientistas convidados fazem parte de uma exótica (e lucrativa) seita americana (na verdade me abstive de mostrar o quão exótica e lucrativa ela é — você ficaria espantado).

Agora na segunda parte analisarei a primeira meia hora do filme mostrando onde o filme erra ao tentar combinar ciência e misticismo, embalando os dois na agradável linguagem da autoajuda.

Por favor me desculpem o longo post. Empolgado, acabei produzindo muito mais material do que seria adequado para um blog. E olha que nem tudo o que escrevi está aqui; na edição final mantive apenas o resumo da ópera e deixei a versão completa para ser publicada mais tarde no Projeto Ockham. Espero que a mesma curiosidade que motivou o leitor a ir ao cinema buscar respostas para Quem Somos Nós, mantenha seu interesse até o final do texto. Ao menos, talvez você descubra Quem Não Somos Nós.

Então vamos ao Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” — A Ciência Contra-Ataca.

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Cada idade, cada geração tem suas premissas pré-construídas. Que o mundo é plano, ou que o mundo é redondo, etc. Existem centenas de postulados, coisas que aceitamos como certas, que podem ou não ser verdadeiras. É claro que na grande maioria dos casos, historicamente, estas coisas não são verdadeiras. Assim, presumivelmente, se a história serve de guia, muita coisa que aceitamos como certas simplesmente não são verdadeiras.
Ao afirmar que não se pode assumir nenhum conhecimento como definitivo o filme prepara o caminho para a visão alternativa do mundo que será apresentada a seguir. É um truque velho.

O problema deste argumento está no conceito de “conhecimento verdadeiro”. Para a ciência um conhecimento é “verdadeiro” enquanto for capaz de explicar os fenômenos observados na natureza, nada mais.

Por exemplo, muita gente pensa que os antigos eram estúpidos porque acreditavam que o Sol girava em torno da Terra. Na verdade o modelo geocêntrico permitiu que os navegadores se orientassem com uma precisão boa o bastante durante muitos séculos e na prática era menos complicado que o modelo heliocêntrico que o substituiu mais tarde. Foi só quando dados astronômicos mais precisos puderam ser obtidos que o geocentrismo pôde finalmente dar lugar ao seu sucessor. Já a Terra pôde ser considerada plana pelo tempo em que isso permitiu aos homens orientar-se em seu reduzido universo, que usualmente limitava-se até onde a vista conseguisse alcançar. Quando o mundo se ampliou, com a invenção da bússola e do telescópio e a conquista de novos continentes, foi preciso admitir que a Terra não era plana, exatamente como hoje, na era dos satélites espaciais, somos obrigados a admitir que ela tampouco é esférica (chame-a de “pêra” se quiser).

Prof. Celso Lugão recomenda o excelente texto de I. Asimov – A relatividade do errado, postado neste mesmo blog no link a seguir: https://www.psicoterapiaestrategica.com.br/?p=1931

Da mesma maneira a física clássica não se tornou inválida de uma hora para outra, como um paradigma com data de validade vencida. A física de Newton trouxe avanços impressionantes para a ciência e foi bem sucedida em prever inúmeros fenômenos — os mais notáveis deles provavelmente foram os descobrimentos dos planetas Urano e Netuno, além de ter fornecido uma explicação satisfatória para o fenômeno do eletromagnetismo. Mas chegou o momento em que a física clássica não podia mais explicar certas observações experimentais à respeito dos átomos e precisou ser, no que diz respeito à este universo, substituída. Assim mesmo ela permanece perfeitamente válida para quase todos os aspectos da vida cotidiana.

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Porém, mais importante do que isso é o fato de que sabemos sim algumas coisas com certeza. Quando um paciente com câncer é diagnosticado através de um exame de ressonância magnética e depois tratado com sucesso em um aparelho de radioterapia é porque sabemos bastante sobre os elementos químicos e as partículas atômicas; se você está usando um microcomputador para ler este blog é porque alguém precisou saber bastante coisa sobre a física quântica para construir o microprocessador que o equipa; e quando levamos o homem à Lua o fizemos porque sabíamos bastante sobre a gravitação de Newton, o eletromagnetismo de Maxwell e toda uma lista enorme de conhecimentos bem estabelecidos.

Todas estas coisas são muito mais do que suposições ou modismos de uma era ou de uma geração.

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Esta câmera está vendo muito mais ao meu redor… do que há aqui… porque ela não faz objeções e nem julgamentos. O único filme que está sendo exibido no cérebro é o que temos a habilidade de ver. Assim, será possível que nossos olhos, nossas câmeras, veja mais do que nosso cérebro tenha habilidade de ver, de conscientemente projetar?
Aqui Ramtha, o espírito lemuriano canalizado pela médium, afirma que um equipamento eletrônico pode ver mais do que um homem porque não é capaz de julgar aquilo que vê. Isso é mais ou menos como dizer que os homens daltônicos escolhem ver menos cores (ou que tem alguma objeção ao amplo espectro de tons de rosa, por exemplo).

Ramtha não diz o que há mais para ser visto por nosso cérebro pré-conceituoso mas considerando que estamos diante de uma mulher cujo sotaque vem de um guerreiro de um continente mítico hospedado em seu corpo, podemos supor que se trata de algo espiritual. Neste caso estamos fora do domínio da ciência.

Note-se que aqui se estabelece pela primeira vez uma das idéias fundamentais deste filme: a de que o mundo como o conhecemos pode ser fisicamente moldado pelas nossas crenças pessoais. Veremos mais sobre isso adiante.

Logo em seguida outra mulher continua:

Bem, o modo como nosso cérebro é construído… nós somente vemos o que acreditamos ser possível. Hmm… nós comparamos padrões que já… uh… existem em nós mesmos atraves de condicionamento.

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Esta é a mesma hipótese que deu origem ao clássico adesivo de carro “duende, vê quem acredita”. Ela prossegue:

Assim, uma história maravilhosa que acredito ser verdadeira, é que quando os índios, os índios nativo-americanos das ilhas do Caribe, viram os navios de Colombo… eles não podiam vê-los realmente. Porque eles eram tão… diferentes de qualquer coisa que eles tinham visto antes, que eles não podiam vê-los.
Assim contada, a história poderia passar como apenas um causo ou uma parábola. No entanto logo em seguida a história ganha ares oficiais quando dramatizada sob a locução de um dos cientistas do filme (pela voz, provavelmente Joe Dispenza, o quiroprático membro da seita Ramtha):

Quando a armada de Colombo chegou à América, nenhum dos nativos podia ver os navios, mesmo que eles estivessem no horizonte. A razão porque eles nunca viram os navios é porque eles não tinham conhecimento em seus cérebros que navios (no original “Clipper Ships”) existiam. Logo o pagé começou a notar as marolas no oceano mas ainda não via os navios… mas ele começou a se perguntar o que causava as marolas. Assim, cada dia ele olhava e olhava e olhava. Até que um dia viu os navios e contou a todos os outros que os navios estavam lá. Como todos confiavam nele, foram capazes de ver os navios também.
Não há o menor traço de veracidade nesta história. Não há registros escritos por Colombo nem tradições orais das tribos indígenas que habitavam a América de que qualquer coisa assim jamais tenha acontecido com navios, armas de fogo, instrumentos metálicos, ou qualquer outra tecnologia nunca antes vista pelos nativos. Não há tampouco registros nos relatos dos modernos conquistadores do século XIX que chegaram à África, ao Alasca, à Amazônia ou em outros territórios onde habitavam civilizações tecnologicamente mais atrasadas, de que qualquer coisa assim jamais tenha acontecido.

Esta é uma história inventada, provavelmente dentro da seita Ramtha, para impressionar discípulos pouco espertos. E que história absurda! Imaginem um beduíno do deserto que nunca viu nada além de camelos em toda a sua vida de repente deparando-se com homens brancos flutuando à meia altura do solo e deixando velozmente atrás de si uma nuvem de areia! E os animais? Eles também precisaram se acostumar com as tecnologias do homem moderno antes de serem capazes de vê-las? Quanto tempo um chimpanzé precisou olhar para uma banana frita invisível antes de poder realmente comê-la?

A propósito, os navios de que Ramtha fala (Clipper Ships) só foram inventados no século XIX. Talvez por isso ninguém podia vê-los…

0:21:06

Whalen

O garotinho — uma espécie de Mini-Me do Morpheus de Matrix — lança a bola com força sobre Amanda.

– Machuca! Amanda diz.
– Ela nunca te tocou
– Tá bom…
– E ela não é sólida. A bola é quase completamente vazia.


Aqui temos três afirmações: (1) a bola não tocou Amanda; (2) a bola não é sólida e (3) a bola é vazia, em sua quase totalidade. Das três, somente a afirmação (3) é verdadeira.

O átomo é cerca de 100.000 vezes maior do que o seu núcleo. Isso quer dizer que se o átomo fosse um grande auditório vazio, seu núcleo, onde estão os prótons e os neutrons, seria um pontinho do tamanho da cabeça de um alfinete, bem no centro. Agora imagine todo este enorme auditório completamente vazio, com alguns outros pontinhos ainda menores do que uma cabeça de alfinete rodopiando por todo este espaço. É um verdadeiro latifúndio atômico.

Mas só porque há um bocado de espaço vazio no interior da matéria que constitui a bola de basquete isso não quer dizer que ela não seja sólida. Os átomos, com toda aquela imensidão vazia, estão ligados entre si por forças combinadas de atração e de repulsão, como imãs muito fortes. O que define o estado físico da matéria é basicamente a intensidade destas forças atômicas. Em um líquido as forças entre os átomos são muito tênues, por isso é tão fácil que você mergulhe sua mão na água, afastando os outros átomos do seu caminho. Em um gás os átomos estão ainda mais fracamente ligados fazendo com que sejam capazes de ziguezaguear livremente por grandes distâncias. Já em um corpo sólido os átomos ocupam posições estáveis, bem definidas, muito próximos uns dos outros e fortemente ligados entre si. Por isso é muito mais difícil tirar do lugar um átomo de uma bola de basquete do que da água ou do ar.

Concluindo, dizer que uma bola não é sólida somente porque os átomos que a constituem possuem um monte de espaços vazios é quase a mesma coisa que dizer que ela não é sólida porque é oca. É falso.

A seguir mais sobre a primeira alegação.

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Nós pensamos no espaço como vazio e na matéria como sólida. Mas na verdade essencialmente não existe nada na matéria. Ela é completamente insubstancial. Dê uma olhada em um átomo. Nós pensamos nele como em uma bola dura. Então dizemos: “Oh bem, não na verdade. Ele é como um pequeno ponto de matéria muito densa cercado por uma nuvem de probabilidade, saltando para dentro e para fora da existência”. Mas acontece que nem isso é correto. Mesmo o núcleo, que pensamos ser tão denso, salta para dentro e para fora da existência da mesma maneira que fazem os átomos. A coisa mais sólida que podemos dizer sobre toda essa matéria insubstancial é que ela é mais como um pensamento — é como um bit concentrado de informação.
Outro físico entra em cena e diz:

O que constitui as coisas não são mais coisas, mas ideias, conceitos, informações.
Os átomos são os tijolos da matéria. Mas o filme vem mostrando que esses tijolos são insubstanciais, constituídos de partículas minúsculas em um espaço enorme quase totalmente vazio. Que tipo de casa seria aquela construída com tijolos etéreos dispostos a vários metros uns dos outros que nem ao menos se tocam!? Mas a casa existe, nós a vemos e ela não é de fumaça. A conclusão, sugere o filme num salto lógico enorme e desonesto, é que não são os tijolos em si que sustentam a casa mas pensamentos, idéias, informação.

(Veja como o filme empurra o expectador na direção da crença de que os pensamentos são capazes de moldar a matéria. É importante identificar o exato momento em que isso acontece.)

Mas tijolos são tijolos e átomos são átomos. Um tijolo não sofre nenhuma força de outro tijolo distante a não ser uma fraquíssima e completamente desprezível força gravitacional. Já na escala atômica um átomo exerce sobre seus vizinhos uma forte força de natureza eletromagnética. Estas forças são como as vigas invisíveis (ou molas rígidas como preferem os físicos) da estrutura molecular que mantém o edifício da matéria em pé. Quando queremos derrubar este edifício não o fazemos com a força do pensamento e sim quebrando as vigas atômicas, fornecendo a elas energia, como calor por exemplo. É assim que o gelo se transforma em água.

Continuando com o filme, finalmente o jovem Morpheus volta à cena:

É como eu disse, a bola nunca te tocou.
O narrador toma a palavra e emenda:

Os elétrons constroem uma carga… e empurram os outros elétrons, assim ninguém toca ninguém.
Aqui o filme faz um enorme esforço para confundir o expectador

Só porque no nível subatômico os átomos não se tocam isso não quer dizer que as coisas não se tocam aqui em cima. Ocorre apenas que o que chamamos de tocar aqui é diferente de “tocar” na escala atômica. É apenas uma questão de linguagem.

No mundo macroscópico tocar significa entrar em contato, encostar. Mas no mundo atômico os átomos raramente “encostam” um no outro; eles apenas se repelem quando ficam muito próximos. Pense nisso como se os átomos estivessem ligados por molas invisíveis muito duras; quanto mais próximo um átomo fica de outro mais a mola o empurra de volta (em certas circunstâncias os núcleos de dois atómos podem realmente encostar um no outro até se fundir, como acontece no interior das estrelas e na bomba de hidrogênio).

Note que toda esta discussão sobre como a bola não é sólida e como ela não toca no que encosta é apenas uma maneira de levar o espectador a concluir que a realidade física é bastante diferente do que lhe diz a intuição, preparando o terreno para que ele possa aceitar as idéias metafísicas que virão, que igualmente desafiam o bom-senso.

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Uma partícula, na qual pensamos como uma coisa sólida, existe num estado chamado “superposição”, uma onda espalhada de localizações possíveis. No instante em que você olha… ela imediatamente surge em uma única localização.
Enquanto o narrador explica o que é a superposição quântica um monte de bolas de basquete surge ao mesmo tempo na quadra. Amanda então se vira e todas, excepto uma, desaparecem. Aqui o filme comete (de novo) o pecadilho de comparar uma partícula subatômica a um corpo massivo. O porquê do erro veremos adiante.

Em seguida outro físico pega o bastão e prossegue conduzindo o pensamento:

A superposição quântica implica que uma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. É um conceito bizarro e um dos mais importantes do mundo quântico.
A superposição quântica é não só uma das características mais importantes do mundo quântico, mas também a que suscita as discussões filosóficas mais acaloradas. É bom entendê-la já que ela será usada de maneira recorrente durante o filme.

Na física quântica o elétron não é visto como um ponto material, tal qual uma minúscula bola de bilhar, e sim como uma entidade matemática chamada “função de onda”. Esta função de onda representa a probabilidade de se encontrar o elétron em uma determinada posição do espaço. Pense na função de onda como se ela fosse uma nuvem, só que uma nuvem de probabilidade; onde a nuvem é mais densa é mais provável encontrar um elétron, onde ela é mais tênue a probabilidade de que haja ali um elétron é muito pequena. O problema é que a função de onda leva a uma consequência muito interessante que é a possibilidade – teórica – de que um objeto permaneça em dois estados simultaneamente.

Para entender o que isso significa imagine que uma carta de baralho está perfeitamente equilibrada sobre uma ponta. A física clássica nos diz que na ausência de qualquer infuência externa a carta ficaria equilibrada para sempre. Já a física quântica nos diz que a carta caíria imediatamente, para a direita e para a esquerda ao mesmo tempo. Este bizarro resultado é chamado de superposição quântica.

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Mas se isso é verdade por que ninguém nunca viu uma carta ao mesmo tempo com a face para cima e para baixo? Uma das explicações propostas para o enigma, proposta na década de 20 com o nome de interpretação de Copenhagen, é que quando um observador vê a carta pela primeira vez ele força a natureza a escolher entre um dos estados quânticos possíveis. A natureza então escolhe aleatoriamente entre os estados “carta com face para cima” e “carta com face para baixo”. Isso é chamado de colapso da função de onda e é o nascedouro de todo o papo sobre consciência no qual se baseia “Quem Somos Nós?”.

O único problema é que, segundo a mecânica quântica, a função de onda não deveria sofrer nenhum colapso! Na verdade o colapso da função de onda é apenas uma maneira pragmática de explicar por que nunca observarmos a superposição quântica no dia a dia; ela não é uma decorrência natural da mecânica quântica; ela é um postulado, uma carteada filosófica, um puxadinho que os físicos fizeram na teoria quântica para poderem aplicá-la com sucesso sem precisar antes concluir o arcabouço filosófico que desse conta de suas estranhezas.

Até hoje a superposição quântica nunca foi observada em objetos maiores do que algumas dezenas de átomos e há bons motivos para acreditar por que nunca será, conforme veremos. Por isso a analogia das bolas de basquete que Morpheuzinho quica com a força do pensamento é tão enganosa.

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Uma voz pergunta…

Como pode um sistema ou um objeto estar em dois lugares ao mesmo tempo?
E outro responde imediatamente:

(…) Nós todos temos o hábito de pensar que tudo ao nosso redor já é uma coisa… que existe independente da nossa escolha. Nós temos que banir esse hábito de pensar. Em vez disso você tem que aceitar que mesmo o mundo material ao nosso redor, as cadeiras, as mesas, as salas, o carpete, mesmo a câmera, tudo isso não são nada mais que movimentos possíveis da nossa consciência. Eu estou escolhendo o tempo todo entre esses movimentos… para fazer com que a experiência real se manifeste. Este é o único pensamento radical que você precisa, mas ele é tão radical, tão difícil… porque nossa tendência é aceitar o mundo como se ele já estivesse lá, independente da minha experiência. Ele não está! A física quântica é tão clara a respeito disso. Em vez de pensar nas coisas como coisas, temos que pensar nelas como possibilidades da consciência
Agora as coisas ficam sérias e o filme mostra suas garras esotéricas.

Você se lembra do salto lógico que aconteceu aos 21 minutos de filme, quando o narrador sugeriu que a matéria era formada de pensamentos? Aqui ocorre outro destes saltos, na mesma direção. Num instante o filme está falando de física quântica e no seguinte postula que o mundo é literalmente moldado pelos nossos pensamentos, sem estabelecer nenhuma ponte entre essas duas idéias.

Segundo esta idéia toda a realidade física é construída por nossos pensamentos. Como se vivessemos na Matrix, mas sem nenhum computador criando a realidade a não ser nossa própria consciência.

As pessoas que admiram este filme pelo seu lado mais auto-ajuda costumam tomar esta afirmação de maneira frouxa, quase metaforicamente. É como se o filme estivesse defendendo apenas uma postura mental positiva, do que tipo que faz com que você persiga um sonho, consiga um disputado emprego, se relacione melhor com sua família, arranje uma namorada bonita, esse tipo de coisa. Não é isso! O que o filme repete incessamentemente é que você pode construir fisicamente a realidade com a força do pensamento. Isso significa levitar bolas de basquete (como Morpheuzinho), estar em dois lugares ao mesmo tempo (outra das de Morpheuzinho), curar doenças de todo o tipo (como Amanda descobrirá ao final do filme), aprender kung-fu num piscar de olhos e outras coisas do tipo “there is no spoon“.

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Antes de mais nada a física quântica nada diz sobre isso e qualquer extrapolação do mundo atômico para o mundo macroscópico é um exercício falacioso. Além disso, por detrás do agradável conceito de que o mundo é fisicamente configurado pela força do pensamento se esconde uma egoísta e terrível idéia: a de que o sofrimento não passa de um hábito de pensamento. Você diria a um portador de uma doença degenerativa como o Mal de Alzeimer, que sua condição é uma escolha? Você diria a um portador da síndrome de Down que seus pensamentos determinam sua deficiência mental? que sua condição, impressa em seus genes, é um mero hábito de pensar? Em que momento uma pessoa que nasceu cega optou por não enxergar o mundo?

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Você pode ver em diversos laboratórios ao redor dos EUA, objetos grandes o bastante para serem vistos à olho nú…
Aqui há um vísivel corte entre esta frase e a que se segue.

…e elas estão em dois lugares ao mesmo tempo. Você pode tirar uma fotografia daquilo. (…) “E daí?” você diria, “eu vejo duas coisas aqui”. Não, não! não são duas coisas, é uma coisa só. Uma coisa só em dois lugares simultaneamente!

Experiências recentes realmente mostraram que fótons e pequenos agrupamentos de átomos podem estar em dois lugares ao mesmo tempo. Isso é de fato impressionante e confirma esplêndidamente a teoria quântica. Contudo até o presente momento nenhuma experiência foi feita mostrando objetos visíveis a olho nú em dois lugares ao mesmo tempo. Nem mesmo objetos muito maiores do que átomos, mas ainda assim microscópicos, como vírus, foram observados em dois lugares ao mesmo tempo. Isso é simplesmente falso. (Na defesa do médico, o filme foi editado de maneira a dar a impressão de que a experiência mencionada foi realizada com corpos visíveis a olho nú, mas provavelmente não era a isso que ele se referia.)

Há explicações perfeitamente naturais para porque a superposição quântica não funciona para objetos muito maiores do que o átomo. Mas vamos deixar esta explicação para daqui a pouco.

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Física quântica calcula somente possibilidades… mas se aceitarmos isso, então a questão que surge imediatamente é: quem, o quê, escolhe entre todas as possibilidades… para determinar a experiência real? Nós diretamente vemos que a consciência precisa estar envolvida. O observador não pode ser ignorado.
A questão aqui está relacionada aos trechos anteriores e finalmente podemos encerrá-la.

A experiência da carta de baralho sugere que é preciso a ação de um observador para que o estado da carta seja definido. Mas e na experiência cotidiana? Quem faz o tempo todo o papel de observador?

A resposta é que não há necessidade de observador. Os físicos descobriram que a teoria quântica dava origem a um comportamento que denominaram não-coerência. Segundo a teoria da não-coerência uma superposição quântica só pode existir enquanto permanece secreta para o mundo. No instante em que uma única mólecula de ar zanzando pelo ambiente, ou um único fóton dos quaquilhões que compõem um raio de luz, esbarram na carta, o estado da carta passa a ser conhecido; não há mais espaço para a indeterminação. Este ínfimo contato com o resto do universo é tudo o que basta para que a superposição se revele. Em outras palavras, a própria natureza faz o papel de observador.

Isso explica porque não se vê pessoas em dois lugares ao mesmo tempo, gatos suspensos entre a vida e a morte e outras superposições quânticas por aí. É praticamente impossível isolar um corpo macroscópico de toda e qualquer influência externa. Basta que uma fortuita molécula de ar esbarre no objeto para fazer com que uma estado quântico torne-se não-coerente, isto é, fique idêntico a um estado clássico.

A teoria da não-coerência foi proposta pela primeira vez em 1952 pelo físico David Bohm mas foi ignorada no início. Só bem mais tarde, no início dos anos 80, a teoria foi retomada e finalmente, em 1996, foi comprovada experimentalmente. Hoje ela é aceita pela maioria dos físicos no lugar da interpretação de Copenhagen.

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Em Washington, a chamada “capital mundial dos homicídios” houve um grande experimento no verão de 1992… onde 4000 voluntários vieram de vários países para meditar coletivamente por longos períodos de tempo durante o dia. Foi predito que com um grupo deste tamanho o número de crimes violentos caíria em 18%, como definido pelo FBI naquele verão. (…) Ao final, o departamento de polícia tornou-se colaborador e autor do estudo, pois os resultados demonstraram que fato a criminalidade diminuiu 18%.
O que o físico John Hagelin não disse no filme é que o crime diminuiu 18% em relação ao que ele previu que subiria se os meditadores não tivessem meditado.

Funciona assim: Hagelin prevê, através de um modelo que considera, além de estatísticas pregressas da criminalidade, dados como a temperatura e flutuações no campo magnético da Terra, que a criminalidade subirá, digamos, 30% no verão. Mas enquanto o grupo de meditadores recita seus mantras, em vez de 30% a criminalidade aumenta apenas 15%. Desta maneira Hagelin pode dizer que a criminalidade foi 50% menor do que ele previu que seria.

No final das contas o que interessa para os moradores da cidade de Washington é que, com meditadores ou sem meditadores, no ano de 1992 a criminalidade lá atingiu o terceiro valor mais alto de sua história (quando consideradas as taxas de homicídio).

Não é a toa que uma pesquisa deste gabarito tenha merecido o prêmio igNobel, uma paródia do prêmio Nobel…

Neste ponto, comenta o Prof. Celso Lugão, se encerram os argumentos críticos do autor do blog mencionado, mas há outra análise crítica do filme, que diz que… Esta produção independente foi exibida nos cinemas brasileiros e já havia faturado 8 milhões de dólares.

O texto continua mas resolvi pinçar algumas partes para deixar mais clara as ideias principais…

A visão de mundo e de ciência apresentada no filme lembra bastante a tendência da revista Superinteressante: a ciência da felicidade. Uma mistura bizarra de curiosidades científicas superficiais com auto-ajuda. É na prática a ramificação cientificista da auto-ajuda, e em essência continua promovendo a mesma coisa: não se preocupe com as causas globais, elimine os efeitos pessoais e seja feliz. A onda agora é embarcar em novos paradigmas. Este novo paradigma realmente quebra os conceitos-chave do velho ou é apenas uma extensão dele?

O velho paradigma é representado pelo mecanicismo, pelo determinismo e pelo cartesianismo.

O novo paradigma é influenciado pela era da informação e dos computadores, criticando a era industrial. O universo não pode mais ser visto como uma máquina comum, mas sim como um grande computador, feito de bits e bytes. Uma máquina avançada, mais complexa, com novas regras que unificam todos os seres. Somos todos um só… E assim,… A natureza é ainda mais humanizada, antropomorfizada, com a explicação de que assim estaríamos entendendo-a melhor e ao mesmo tempo entendendo a nós mesmos… Por trás disto, os interesses econômicos e políticos são completamente ignorados, e os vendedores de seitas, crendices e ideologias enriquecem exponencialmente.

O filme tenta infiltrar o seguinte meme na cabeça do espectador: a realidade é maleável, basta pensar positivo e tudo pode acontecer! Junto com esse meme é propagada a idéia de que nós somos o novo critério da nossa própria evolução, não precisamos mais nos adaptar ao meio…

É como dizer: esqueça o equilíbrio do ecossistema, nós adaptamos o meio a nós! Podemos mudar o que quisermos em nós mesmos, podemos ser nossos próprios artífices e levar em consideração apenas nossos próprios desejos e necessidades. Afirmar que nós somos deuses é apenas o próximo passo lógico de afirmar que somos os favoritos de deus.

Justifica o fato de subjugarmos o mundo, e é exatamente o que os dominadores esperam e querem ouvir: uma justificativa “científica” nova e atraente para suas ações irresponsáveis. Mas para a maioria das pessoas, é apenas um filme inocente que só quer o nosso bem, nos deixando mais tranqüilos e harmonizados enquanto nos entregamos voluntariamente à miséria e a degradação social. Como as pessoas respeitam a autoridade dos filmes e dos doutores estadunidenses… E em sua maioria confundem argumentos de autoridade com a autoridade dos argumentos, algo elementar em ciência, o filme conseguiu abrir espaço para uma nova seita que pode ser encontrada no link http://www.ramtha.com/, tornando-se uma fonte de enriquecimento dos seus idealizadores, como a senhora que diz ser médium e receber o tal espírito lemuriano.

ramtha2 Foto da “médium” na juventude, Judy Zebra Knight

J Z Knight foto de Judith Zebra Knight mais velha

Para mais comentários vide http://www.michaelshermer.com/2005/01/quantum-quackery/, ou seja quantum charlatanismo, ou que o físico
Murray Gell- Mann chamou de QUANTUM DISPARATE (Murray Gell-Mann once described as “quantum flapdoodle.”)

Por Celso Lugão

Especializações em PSICOLOGIA CLÍNICA E HOSPITALAR. Exerce ATIVIDADE CLÍNICA fazem mais de 30 anos, tendo criado sua abordagem particular de PSICOTERAPIA ESTRATÉGICA. Possui MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Atualmente é professor do INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA UERJ tendo criado o setor de PSICOTERAPIA ESTRATÉGICA NO SPA DA UERJ EM 1988 e desde então atua como SUPERVISOR desta abordagem. Participou de forma intensiva do PROCESSO DE VALIDAÇÃO DA HIPNOSE como TÉCNICA PASSÍVEL DE SER UTILIZADA PELO PSICÓLOGO, fato este reconhecido pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPNOSE e pela SOCIEDADE DE HIPNOSE E MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. Possui experiência em várias áreas da psicologia, a saber: EPISTEMOLOGIA DAS PSICOTERAPIAS (DESENVOLVIMENTO DE REFERENCIAIS EPISTEMOLÓGICOS E CLÍNICOS; ESTUDO DAS PERSPECTIVAS ESTRATÉGICA, ESTRUTURAL E SISTÊMICA EM RELAÇÃO AO INDIVÍDUO E A FAMÍLIA) ; PSICOLOGIA CLÍNICA E HIPNOLOGIA (TRANSDUÇÃO DA INFORMAÇÃO MENTE-CORPO, PSICOIMUNOLOGIA, TÉCNICAS HIPNÓTICAS, CORPORAIS, PSICODRAMÁTICAS E ESTADOS ALTERADOS DA CONSCIÊNCIA); TANATOLOGIA (MORTE, LUTO E SEPARAÇÕES); PROCESSOS DISSOCIATIVOS (TRAUMA, DISTÚRBIO DISSOCIATIVO DA IDENTIDADE, SÍNDROME DO STRESS PÓS-TRAUMÁTICO, SÍNDROME DO PÂNICO, SUICÍDIO, DROGADICÇÃO, PSICOSES); E ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA SUPERVISÃO (TREINAMENTO, INFORMAÇÃO E FORMAÇÃO ). (Text informed by the author)