Olá.
Na verdade o título original deste pequeno artigo segue abaixo. Eu o produzi em 2002 diante da percepção de que muitos supervisandos ou “aprendizes de feiticeiro” entram em pânico ou se abatem diante de sentimentos, experiências e leituras quando chegam no estágio de psicoterapia estratégica e se deparam com a enciclopédia, com o mito, e antes de tudo honorável e humilde Lugão. Esta experiência, relatada por muitos, de nada saber, ou de que nunca conseguirá chegar aonde o professor chegou; enfim, este sentimento de se sentir oprimido pelo enorme manancial de conhecimento externo… Em qualquer área de aprendizagem… Acreditem, esta é uma experiência universal, se assim se pode chamar as experiências que ocorrem neste pálido planeta azul, como diria Carl Sagan.
(Foto tirada no Observatório Nacional – RJ)
Estamos sempre centrados em nossos umbigos, o mundo parece girar em torno de nós, esta é uma das experiências mais conhecidas dos psicólogos do desenvolvimento, as crianças custam a diferenciar o eu do outro, o eu do mundo. Certamente, enquanto adultos continuamos a misturar as coisas. Quantas vezes ficamos paralisados por causa do que “os outros irão pensar se …”. Muitas vezes, os outros não estão nem aí para nós, talvez estejam igualmente preocupados consigo mesmos.
O fato é que não somos o centro do universo, aliás o universo não tem um centro segundo a astronomia.
A terra é bem pequena e fica num sistema solar gigantesco, mas que some diante da galáxia, que por sua vez é uma das trilhões de galáxias que existem. Portanto, relaxem, fiquem tranquilos ou trankilos, como gosto de escrever para brincar com as normas ortográficas (Aonde já se viu idéia sem acento?! Um absurdo!!! Recuso-me a aderir)… Porém, é fácil aderir aos argumentos de Carl Sagan, que dizia que a sacada de Darwin de que a vida evoluiu ao longo das eras pela seleção natural não só era uma ciência melhor do que as declarações contidas no Gênese como proporcionava uma experiência espiritual mais profunda e satisfatória. “O que se quer não é a vontade de acreditar, mas o desejo de descobrir, que é exatamente o contrário”. disse Bertrand Russel.
( A foto da Terra foi realizada pelo Spirit Mars Exploration Rovers, um robo que está explorando Marte. Esta é a primeira foto do planeta Terra tirada de outro planeta).
Bertand Russell fala sobre religião (1959)
A morte é certa, não há nenhum deus lá fora, pelo menos não para ateus como eu… (Sugiro mais uma vez a leitura da obra de Sam Harris, como diz R. Dawkins no prefácio… “Será um teste saudável para a sua fé”.
Então, qual o propósito destas palavras? Compartilhar, o propósito é sempre compartilhar algo que penso que será útil para muitos em suas crises pedagógicas e existenciais. E para os que não estão em crise, um conselho: deveriam estar !
Só assim, mantendo um espírito irrequieto, indomável, se pode estar aberto para o conhecimento, por isto Richard Feynman e outros cientistas e pensadores eram eternas crianças, eles mantiveram acesa a curiosidade infantil. O pequeno professor, na linguagem da Análise Transacional de Eric Berne, esta função que habita o eu criança saudável de todos nós.
Coloquei vários vídeos selecionados sobre os assuntos aqui mencionados. Não importa qual das modalidades em ciência você pretende aprender, em todas é necessário manter “a convicção permanentemente revolucionária da ciência, de que a busca da verdade (entendo-se tal conceito como a aproximação sucessiva do entendimento dos processos da natureza, a tentativa constante de decifrar os algoritmos dos processos orgânicos e inorgânicos) não tem fim e que a ciência é a única abordagem humilde o suficiente para fazer jus ao universo que revela… A metodologia da ciência, com seu mecanismo de correção de erros para nos manter honestos, apesar da tendência crônica que temos para projetar, para nos equivocar, para iludir a nós e aos outros, era para Carl Sagan o auge da disciplina espiritual”. (Extraído da p. 11, da impecável introdução feita pela viúva e colaboradora Ann Druyan para a obra póstuma Variedades da experiência científica. CIA das Letras. 2008.)
Rio, 17/ 11/ 2002.
Reflexões sobre os módulos de psicoterapia.
Prof. Celso Lugão da Veiga.
Quando aprecio criticamente os módulos de psicoterapia dos quais participei como aluno, algumas impressões ficam nítidas e, talvez, fosse interessante compartilhar.
Nas décadas de 70, 80 e 90 fiz especializações nas áreas da Tanatologia, da Programação Neuro-Lingüística, Psicoterapia e Hipnoterapia Ericksoniana, EMDR, e mais algumas envolvendo temas como drogadicção, traumas e outros.
Recordo-me que, inicialmente percebi que havia sempre uma ambivalência de sentimentos. Um lado meu dizia que havia sido uma boa experiência… Aprendizagens novas, algumas complexas, haviam sido feitas. Outro lado complementava indagando se eu não poderia aprender mais caso tivesse feito todas as leituras pertinentes antes de assistir aos cursos. Uma terceira voz irremediavelmente cobrava a exposição pedagógica de alguns passos ocultos, sempre que havia alguma demonstração de técnicas. E havia outras vozes críticas, algumas procuravam falhas no expositor, na exposição, na organização do evento, e até no clima: “Com um sol destes q. ki eu tô fazendo aki?!” ou “Aonde eu vim parar com uma chuva destas!”.
Dependendo do peso destas vozes em meu interior às vezes achava que havia sido pouco tempo de curso, ou que pouco material havia sido visto, ou que havia conteúdos que precisavam ser expostos primeiro… Enfim, sempre senti certa ambivalência e confusão… E algumas vezes, “depressão”, ao ver os profissionais atuando e ensinando coisas novas… Eu teria que assimilar novos ensinamentos. Recomeçar a construção do estilo já estabilizado.
Bem, paralelo a isto sempre me ocorria a lembrança das duas faces de Alexander Luria, descritas por H. Gardner… Por um lado… O grande cientista… Por outro lado… A. Luria tinha seus problemas de auto-estima. Eu sentia-me assim, depois fui descobrindo que isto era um processo natural, o meu jeito de digerir as coisas novas. Comecei a não ligar mais para a “depressão da auto-estima”, entendi que se eu não me abatesse, se eu continuasse sendo “superior”, “o senhor- sabe- tudo”, estaria desprovido da humildade, abertura ou flexibilidade para ser novamente o aprendiz de mais um feiticeiro, ou de mais um truque. E assim comecei a perceber a minha dinâmica de aprendizagem cada vez mais intensamente, e me preocupando menos com a cobrança da didática. Percebi que só o autoconhecimento facilita o entendimento da posição do outro. A xícara vazia deve ficar abaixo do recipiente mais cheio. Sábias palavras ouvidas de um mestre hindu.
Ecoavam também as palavras, sempre com o tom jocoso e provocativo, de Jay Haley (1998, p. 15)… “Vivemos momento empolgante na área de terapia, porque tudo está se modificando. Não há ortodoxia. Sem ortodoxia, não há conformistas nem rebeldes. Não há um caminho certo para fazer terapia, mas diversos caminhos. Você pode criar técnica terapêutica, ou ressuscitar uma antiga… Na verdade, se você der um nome à nova técnica, pode até iniciar nova escola e conduzir workshops… Uma vez que a terapia muda, muitos supervisores… tentam compreender o que está acontecendo. Os “supervisandos” ficam aturdidos ao se dar conta de que muitos de seus professores divergem entre si.”
Então tudo que eu sentia em relação aos módulos fazia parte de uma transformação tanto do contexto de aprendizagem das terapias (transformação externa) quanto da minha função de terapeuta (transformação interna). Era o terapeuta profissional ¹ de Carl Whitaker se manifestando, tal qual a dor de crescimento dos ossos de adolescentes.
O fato é que os anos foram se passando e sempre que eu consultava o material arquivado dos tais módulos descobria mais um monte de conteúdo que estava lá mas eu não percebia na época.
Quanto mais o tempo avança e o terapeuta profissional se debruça sobre estes módulos percebe que, como num romance relido, novas perspectivas surgem.
Quando estive com J. Zeig, durante um almoço em São Paulo, em 1993, no intervalo do curso, pude ouvir de sua boca a declaração já lida em seu livro: “Sempre que revejo os casos de Erickson penso… Agora entendi tudo!… E toda vez que os reestudo torno a descobrir mais coisas que Erickson fez”.
Creio que isto se dá com todos aqueles que têm este espírito inquiridor e inquieto… Porque nos movemos no tempo amadurecendo e olhando o mundo de novas perspectivas afetivas e intelectuais. Percepções… Novos ângulos.
A frase do poeta Thomas Stearns Elliot resume bem esta atitude:
“Não cessaremos de explorar e o final de toda exploração será chegar aonde começamos. E conhecer o lugar pela primeira vez”.
Então, a todos os eternos aprendizes… Seguem as palavras que uso para minha resiliência e também para com os meus clientes… Mantenha o rumo timoneiro… E “respire…” Sempre que sinto o sistema imunológico sinalizar algo como tempestades a caminho, sejam emocionais ou virais envio este alerta ao timoneiro. Aliás o termo cibernética decorre do grego e tem esta acepção: condutor, piloto, timoneiro. Daí a palavra cyborg, ou seja, cybernetic organism. O criador da cibernética, Norbert Wiener, foi um dos que ajudou na transição de uma visão linear para uma circular pois demonstrou que os sistemas para se manter “estáveis” precisam de certas retroações específicas, isto ajudaria o pensamento de Gregory Bateson, assim como as idéias de Ludwig von Bertalanffy ².
Conservem a flexibilidade do espírito, porque “mente humana é como pára-quedas, funciona melhor aberta”.
Abaixo vídeo que ilustra o caminho para Marte.
Como chegar a marte
¹Carl Whitaker estabelece uma diferença psicológica entre o terapeuta social e o profissional. O segundo assemelha-se ao xamã em sua busca permanente dos mistérios lutando contra seus próprios demônios, assim como com os demônios dos pacientes. Ver NEIL & KNISKERN. Da psique ao sistema. A evolução da terapia de Carl Whitaker. Artes Médicas.1990, p.123. Cap. 3 Treinamento e crescimento do terapeuta.
² in ELKAÏM, Mony. (org.) Panorama das terapias familiares. Summus, 1998, p.20.
HALEY, J. Aprendendo e ensinando terapia. ARTMED, 1998.
Pálido ponto azul (muito bom)