Conforme eu havia colocado nas supervisões de psicoterapia estratégica, certos casos ilustram tipos de intervenção necessárias em alguns destes.
Foi o caso da moça que pensava em se suicidar e foi buscar a ajuda de M. Erickson. Este caso está descrito na obra Terapia Não-Convencional de Jay Haley (Editora Summus, 1991, p. 111-115). O leitor interessado deve se remeter até esta fonte. Não é o propósito deste artigo narrar um caso particular, mas sim tecer considerações gerais sobre as intervenções em psicoterapia. Entretanto, este caso citado é realmente espetacular, mostra toda a maestria de M. Erickson no manejo de técnicas e sua infinita compaixão pela vida humana.
Quando a cliente entra e conta sua história os “olhos” e “ouvidos” do terapeuta-elefante M. Erickson, toda a sua experiência, sensibilidade, fazem uma avaliação, um diagnóstico, e traça uma estratégia, então age…
E se não funcionar?! Mude de estratégia… Sempre lembrando que o cliente tem que assumir a sua parte de responsabilidade pelo êxito da terapia. Nenhum remédio irá funcionar se você não o tomar, então há casos em que a batalha inicial é este “convencimento” do cliente para se comprometer com a psicoterapia.
Vocês já viram aquelas pessoas que precisam de fisioterapia, às vezes, intensiva?
Elas chegam na clínica, fazem o básico e o fisioterapeuta diz, “continue fazendo em casa, ponha gelo, exercite a perna, blá, blá,blá”…
Elas voltam na clínica e dizem: “Não está funcionando, quando é que eu irei melhorar? , já quase aos prantos. A fisioterapeuta pergunta: “O senhor tem feito as compressas em casa?” …. “Não”.
São pessoas que funcionam empurradas, nunca se cuidam. São um peso para os demais, podem arrasar com a energia de qualquer um, pulam nas costas do terapeuta e exigem milagres. E muitas são dóceis e cativantes… Muitas vezes vi umas velhinhas e velhinhos deste tipo, mas também jovens, muitos jovens, seja nas clínicas de fisioterapia, seja em outras clínicas, seja na vida.
Como estive me tratando em muitas clínicas por anos seguidos devido as lesões do futebol, no tempo em que jogava quatro vezes por semana, vi estes quadros se repetirem… Havia uns que ainda estavam lá quando uma nova lesão me acometia e eu voltava … Um ano depois!!!”
Sempre lamentando e se queixando… “Oh vida, oh azar” … Plantam e cultivam a depressão, é sua condição existencial.
Claro que tem uma história por trás disto, sempre tem.
“E culpar a história não irá mudar a tua vida, você tem que agir”…
Eu não era nada, então nasci, sem dentes, não falava nada, nem compreendia, precisava ser alimentado, me mijava e me cagava todo… Cuidaram de mim… Eu recebi isto, aprendi a falar, meus dentes cresceram, aprendi a me limpar, a controlar meu corpo… Foi uma troca entre cuidadores e a minha pessoa, faz tempo, mas aproveitei os ensinamentos, o carinho, a dedicação… Tiveram brigas, frustrações, momentos variados de alegria e tristeza, mas sempre focalizei no carinho, na generosidade, e percebi quando eu estava abusando da tolerância, claro que é bom ser servido de vez em quando, tem momentos na vida em que estamos cansados, mas prefiro ter a força de meus músculos para levantar e pegar a minha água, mesmo que os joelhos doam…
Se eu não me movimentar, além da dor aumentar meus joelhos ainda perderão a mobilidade que resta. O líquido sinovial para ser produzido precisa de movimento. A vida precisa de movimento.
Por isto os casos de drogadicção são muito árduos e exigem muito do psicoterapeuta, e este tem que estar atento para não ser devorado pelo envolvimento com tais pessoas.
Por isto os medicamentos são importantes…É imprescindível em tais casos estarem estes medicados para alterar a bioquímica e dar algum gás para se engajarem no tratamento.
Bem…
A psicoterapia requer o conhecimento de metodologia e técnicas variadas.
O estudo de um método permite o uso de uma variedade de técnicas sempre em prol de “sub goals”, submetas, que permitem a psicoterapia avançar na direção de um objetivo maior.
A metáfora de uma construção permite entender que primeiro você explora o terreno para ver que tipo de fundações ele precisa, após estas serem implantadas o psicoterapeuta-engenheiro segue com a estratégia obedecendo seus cálculos, há sempre uma metodologia por trás disto tudo (uma teoria açambarca conhecimentos metodológicos e técnicos)… Logo, há uma estratégia para se construir algo, sejam edificações, sejam pessoas.
Por exemplo, ainda seguindo com a metáfora, há materiais mais resistentes do que outros… Portanto, para uma estrutura de personalidade “porcelana”, bela porém frágil, o terapeuta deve ir com muito cuidado… Você pega uma xícara de porcelana sempre com muito cuidado, você a lava com cuidado… Não é como estes copos de geléia que aguentam um bom tranco. Notem o passado desta jovem, deste cliente…
Respondam a uma pergunta dentro da filosofia dicotômica… (Notem que diagnósticos são construídos necessariamente por uma epistemologia dicotômica, entretanto um psicoterapeuta não deve tratar/pensar de forma dicotômica seu cliente, depois explicarei isto)…
Bem…A pergunta é…
Esta cliente é uma xícara de porcelana ou um copo de geléia?
Reflitam sobre isto.
PS. Dizem os terapeutas africanos que somente os elefantes, devido às suas imensas orelhas, são capazes de ouvir o choro de crianças aprisionadas dentro de pedras, e assim podem as libertar. O terapeuta-elefante tem uma força descomunal combinada com esta sensibilidade e percepção aguçada. O termo deriva de um excelente texto escrito pelo psicoterapeuta Paulo Barros na obra Ser terapeuta, também da editora Summus, 1985. Organizado por ele e por Ieda Porchat.
Atenciosamente
Prof. Celso Lugão da Veiga
Supervisor em Psicoterapia Estratégica
(SPA IP UERJ)
Especializações em Psicologia Clínica e Hospitalar