Sent: Thursday, November 08, 2007 10:29 AM
Subject: Sobre o Second Life
Olá professor Lugão,
Estou fazendo uma matéria sobre o ambiente virtual Second Life e gostaria de sua opinião sobre este fenômeno. No caso do Second Life, as pessoas criam um avatar – que grosso modo, seria uma personificação virtual dela, para interagir e viver em um mundo que ela vai construindo, onde tudo é simulado (criam-se cidades, fazem-se negócios, freqüentam shows e etc.).
Destaco aqui um trecho da minha matéria para que o senhor entenda um pouco mais.
Desenvolvido em 2003 pela Linden Research, o Second Life (SL) é modelado em desenhos vetoriais em 3D, combinados com texturas. Para muitos é um jogo, pois reúne característica como de competição social (é possível ganhar ou perder dinheiro, o Linden Dollar – L$; competir para participar de grupos sociais); mudar a aparência; construir casas, comprar objetos. Para outros, suas características o aproximam de um simulador que imita aspectos da vida social do ser humano. Há quem pense ainda que o SL é um comércio virtual, onde muitas empresas reais estão fazendo negócios; ou uma rede social, onde amigos e conhecidos podem criar um mundo apenas seu.
Entre avatares – representações virtuais das pessoas do mundo real – e ilhas – espaços territoriais – o SL segue crescendo no Brasil, que já é o terceiro colocado no ranking mundial de usuários do ambiente, com mais de 400 mil usuários, segundo dados da mídia especializada.
Seguem as perguntas abaixo:
Segundo matéria do jornal O Estado de S. Paulo (julho/2007), foi abandonado 80% dos oito milhões de avatares inicialmente registrados no Second Life. No Brasil, 36.385 avatares estão ativos, colocando o país como terceiro do ranking em usuários do SL em todo o mundo. Mas, a tendência mundial é de queda. Contudo, no Brasil, o número de usuários varia de 200 mil a 600 mil e tende a crescer.
Em sua opinião, o que leva algumas pessoas a se “entregarem” mais a redes virtuais do que tentar construir relacionamentos reais?
Seguem três argumentos sucintos, misture-os e terá as respostas:
1- Na natureza existem entre os animais processos de camuflagem como o mimetismo, a tanatomimese, por exemplo, simular a morte.
Um antílope pode enganar uma leoa, note bem, isto é muito importante, ele finge tão bem que poderá escapar se a leoa abaixar a guarda. Nós temos esta capacidade lá dentro de nossa evolução. Algumas pessoas deprimidas passam por este mecanismo e podem realmente acreditar que estão mortas.
Seres humanos são hábeis em simular, foi assim que evoluímos. Inventamos o Zero, a representação do nada; a possibilidade de enganar/fingir, de ludibriar animais e a nós próprios. Criamos armadilhas, prendemos animais muito mais fortes pela nossa esperteza. Criamos dentes poderosos = lanças. Simulamos tudo, plantas p/ prédios, pontes, represas, etc. Maquetes. Treinamos aviadores em simuladores, alunos de medicina, psicologia, etc. O mundo do faz de conta. Um ambiente de treino, de simulação, para a vida real. Assim, um piloto, um surfista, um psicólogo, um médico, seja lá a atividade que for, primeiro você treina para depois exercer com segurança aquela atividade para a qual foi treinado… Ganha a sua carteira de habilitação.
2- Além disto, na pré- adolescência há uma mudança significativa no cérebro, só agora estamos compreendendo isto, graças às técnicas mais evoluídas como a ressonância magnética funcional. Forma-se/aprimora-se então o Sistema de Recompensa, este é básico para a formação de vícios/compulsões. Daí o perigo das drogas nesta fase mais do que em outras. Sejam as lícitas, como novelas, chocolates e bebidas, como as ilícitas (cocaína, etc.).
3- Logo, a maioria de nós se baseia em planos p/ o futuro; faz parte de nossa capacidade de simular, desejamos ser isto ou aquilo outro. O corpo tal, a roupa tal, ser como ele ou ela, etc.
Então temos metas, e de acordo com a distância entre o que somos e o que queremos ser, temos níveis e graus de incongruência, assertividade.
Na internet podemos ser tudo, é virtual e bem mais fácil, caímos presas de nossa vantagem evolutiva… Simular… Somos bons nisto, bons o suficiente p/ em certos casos acreditarmos em nossas próprias mentiras.
Em sua opinião, o que leva os usuários brasileiros a abraçarem as redes sociais virtuais, como Orkut e Second Life?
A anomia é um fenômeno psicossociológico importante na composição desta resposta. Significa não acreditar nas regras (a = negação; nomus = regra).
Trata-se de não se acreditar mais nas regras do sistema, do Status Quo. Funciona paralelo ao fenômeno da desesperança aprendida descrito por Martin Seligman. Se você não acredita mais na recompensa futura que te prometem, você passa a ser mais imediatista. Ou seja, se você não acredita mais nas regras do jogo irá procurar novas regras, novos jogos. Na desesperança aprendida, fenômeno teorizado por Seligman, a pessoa desacredita no futuro, aprende a não ter esperança. Por exemplo, se te dizem que estudando, ou se comportando de determinada maneira, você irá ser uma pessoa respeitada, ter uma casa, um salário decente, etc. E se no final nada disto acontece você começa a repensar o sistema, as regras do jogo.
Não é um fenômeno só brasileiro… No mundo, em vários países, há oscilações em nossas crenças sobre os sistemas, sejam administrativos, sejam religiosos, ou até sistemas de regras sociais ou familiais.
Se o sistema te promete uma recompensa e no final você não obtém esta recompensa você se sente frustrado. Se isto se repete as pessoas caem num vazio existencial e aí podem ser atraídas por novos sistemas, é aí que as seitas proliferam, seja pela internet ou fora dele. Suponho que seja o mesmo fenômeno.
Viver um eu projetado, que construímos internamente e que acena com um universo seguro e coerente. Mas… Como já dizia o adágio popular.
“A coerência tola é o demônio dos que têm pouco juízo”.
Já chegou ao seu consultório, pessoas dependentes tanto do Orkut, quanto do Second Life?
Como queixa inicial ainda não… Isto acontece como demanda secundária.
Há tratamentos específicos para este tipo de dependência? Não se trata de um tratamento específico para tipos de dependência, mas para tipos de pessoas. Cada pessoa necessita de um tipo de abordagem em seu tratamento. Há inúmeros fatores como idade, motivações, ocupações, hierarquia/posição familiar, a situação geral em que a pessoa se encontra enfim… Isto tudo dará um contorno específico e o manejo de técnicas segue este contorno.
A psicoterapia estratégica baseia-se num esquema que pode ser resumido no texto que anexei. ( Este texto encontra-se disponível neste site).
Um abraço e obrigada pela ajuda,
Graça
COMUNS
Coordenadoria de Publicações – COPUB
Tel.: 2587-7901
E-mails: publicar.uerj@gmail.com e publicar@uerj.br