Tristeza e Depressão

lost_fairy_by_pygarENTREVISTA PARA O UERJ EM DIA – URGENTE 

Prezado Professor Lugão, 

Estamos fazendo uma matéria sobre Tristeza e Depressão (haverá um pequeno Box para falarmos sobre suicídio). Assim, gostaríamos que o senhor nos respondesse as perguntas abaixo.

Desde já agradecida,

Graça Portela  
COMUNS
Coordenadoria de Publicações – COPUB
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publicar.uerj@gmail.com e publicar@uerj.br   dsc006053 

 Perguntas: 

Em sua opinião, qual a diferença entre tristeza e depressão? 

 

 

  Tristeza e depressão são nomes para processos complexos e diferentes que se manifestam em diferentes pessoas, e isto tem uma importância enorme na evolução de um quadro clínico, as pessoas têm características que interagem com os sintomas.

 Embora o senso comum possa usar ambas as palavras como sinônimos, tecnicamente a depressão caracteriza um estado patológico passível de tratamento e que sem este provavelmente não irá passar.

Na tristeza orienta-se o cliente, faz parte das reações normais diante do sofrimento. Se alguém sofre uma perda, ficará triste. Se for uma morte haverá uma profunda tristeza, um estado de luto que é normal, mas se esta perda for por demais traumática o luto, que por si só já é traumático, se transformará num luto patológico e aí poderá haver um quadro de depressão.

 

São muitas as variáveis implicadas nestes assuntos: bioquímicas, psicológicas, culturais. Tanto o contexto genético, biológico, quanto o familiar e sócio-psicológico têm algo a informar. Portanto são nomes para complexos processos.

 

Naturalmente devemos entender que nós inventamos nomes para as coisas, por exemplo, temos um objeto que se chama garfo e outro que se chama almofada. Se você sentar sobre uma almofada sentirá uma sensação de maciez o mesmo não se daria com o outro objeto. Entretanto se mudássemos o nome de uma almofada para garfo, ou seja, se todos aqueles objetos macios fossem chamados de garfo… Bem, eu poderia sentar no garfo e o efeito seria perceber a maciez. Logo o nome é só uma convenção. Batizamos as coisas… L’eau, water, wasser, água, são nomes de uma mesma coisa, H²O. Não importa o nome, se você pedir água em qualquer idioma receberá uma substância que matará a tua sede.

Assim temos vários processos no corpo humano que geram sensações, batizamos estas com o nome genérico de sentimentos: alegria, amor, paixão, saudade, raiva, medo, pesar, tristeza e depressão.  Tais processos são complexos e interdependentes. Por exemplo, o medo e a raiva fazem parte de um mesmo processo de energia bioquímica, assim como calor e frio fazem parte do processo temperatura. Se você tem raiva também tem medo e vice-versa. Note-se que um lutador profissional pode neutralizar um adversário e parar por aí. Não há raiva, nem medo. Entretanto, quando alguém espanca outra pessoa temos a raiva e o medo agindo, porque estes sentimentos fazem parte de um mesmo processo, assim como o calor e o frio.

Bom, convencionou-se dizer que a tristeza envolve certas sensações mais  passageiras provenientes de frustrações e fatos da vida, sendo algo normal; enquanto a depressão é um estado mais estável e persistente no tempo com vários efeitos associados. Se alguém querido morre ficamos tristes, entramos num  estado de luto considerado saudável, se o luto persiste além de determinados parâmetros teremos um luto patológico.

As pesquisas apontam alterações bioquímicas e predisposição genética no caso da depressão, e daí os medicamentos são criados para interferir apenas neste nível, mas existem os outros níveis sócio-familiares e psicológicos que  precisam de atenção.

 

Obviamente o assunto continua sendo pesquisado. E há ainda as chamadas síndromes silenciosas, alguém que é levemente deprimido talvez não perceba que este seu “jeito de ser” é uma forma de manifestação persistente de seu humor, portanto de sua bioquímica.

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Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem 121 milhões de pessoas  que sofrem de depressão no mundo. O senhor crê que é um número exagerado?

Trabalho com clínica e não com pesquisas, mas considero em termos de lógica que isto seja bem provável devido as condições atuais da população humana e do habitat global. Temos 6 bilhões de indivíduos sobre o planeta e a seguinte situação:

Segundo avaliação do Worldwatch Institute, em um único dia a humanidade e suas máquinas jogam na atmosfera mais gás carbônico que todos os seus antepassados em um século. Análises de amostras coletadas de ar encapsulado no gelo do Ártico, datadas conforme sua profundidade confirmam essa avaliação. Centenas de espécies de peixes comestíveis foram extintas em apenas trinta anos pela pesca industrial, que usa satélites para localizar cardumes e redes tão descomunais que poderiam engolfar um prédio de quarenta andares. Pela presença de pessoas em seus habitats, animais estão sendo extintos num ritmo cinqüenta vezes mais rápido que o trabalho seletivo da evolução natural das espécies. Apenas um terço das florestas que viram a chegada dos colonizadores europeus às Américas ainda está de pé. O Brasil é quase uma vitrine da destruição tocada pelo homem. O país já perdeu 93% da Mata Atlântica, 50% do cerrado e 15% da Floresta Amazônica. E as motos serras continuam em ação.

Segundo li, no estudo do impacto global das doenças mentais, a OMS calcula que haja 154 milhões (portanto 33 milhões a mais que a pergunta) de pessoas a sofrer de depressão, além de 25 milhões de esquizofrênicos.  

O número de indivíduos com problemas relacionados com o abuso de álcool é de 91 milhões e pelo menos 15 milhões de seres humanos têm doenças ligadas ao abuso de droga. Todos os anos, suicidam-se 877 mil pessoas e há 326 milhões que sofrem de enxaquecas. Ninguém sabe ao certo quais os custos destas doenças, mas menos de 1% dos orçamentos de saúde, nos países pobres ou médios, é destinado ao sector da saúde mental.

No caso da depressão, as pessoas que recebem tratamento médico não chegam a uma em cada quatro.

Em sua opinião, os médicos estão confundindo tristeza com depressão? Por que?

Sinceramente não sei o que os médicos andam fazendo, rsss! Porém acredito que os  profissionais devem estar preparados para fazer esta distinção.

 

Percebo pelos clientes que atendo (muitos já estiveram em outros tratamentos), que existem casos que necessitam de uma visão mais ampla.

 Por exemplo, uma senhora foi diagnosticada como psicótica quando na verdade ela sofrera uma perda após o marido anunciar que estava indo viver com outra mulher. Ela teve reações estranhas compreensíveis dentro do processo de luto, pois todo luto, toda separação, toda perda é traumática e passível de causar uma Síndrome de Estresse Pós-Traumático; devido aos processos dissociativos os sintomas podem ser bem estranhos, mas não se trata de psicose.

Em outro caso tratei um cliente de depressão. Ele estava bem e espaçou as consultas. Então um dia a família me ligou dizendo que eu deveria vê-lo porque a depressão estava voltando. Disseram que ele estava amuado, triste novamente.

Eu o entrevistei e descobri que alguém querido havia morrido. Ele estava triste e tinha razão para tanto. Disse-lhe para curtir o luto e vivenciar a tristeza, não havia o que tratar.

A própria família estava assustada e o cliente também, com justa razão devido ao passado e aos anos de sofrimento. O medo de aquilo ser uma recaída era bem compreensível.

 

Há um excesso de medicalização por parte de médicos e, também, pacientes quando se fala de depressão?

 

Vemos as farmácias proliferarem e os preços abusivos dos remédios, sabemos que os laboratórios fazem uma propaganda selvagem junto aos médicos (J. Landmann tem obras interessantes sobre isto) e que existem trabalhos que mostram que os médicos não recebem um ensino adequado sobre o tema da relação médico-paciente que, aliás, já foi motivo de filme (Patch Adams, que é inspirado em uma situação real) e de estudos qualitativos.

 Então temos que observar a ética e a competência dos profissionais, e tudo  isto se apóia nos seus valores oriundos de suas famílias, na construção de suas personalidades.

Alguns clientes que atendi da área médica, ou seja médicos que vieram procurar auxílio na psicoterapia estratégica, chegaram a observar esta deficiência em sua formação.

 

Sabe-se que qualquer conduta terapêutica aplicada em contexto errado aumenta o problema, é tóxica por si mesma; é responsabilidade do profissional orientar o cliente sobre o tratamento, o profissional em si pode ser tão tóxico e gerar efeitos colaterais e iatrogênicos quanto qualquer medicamento, já dizia M. Ballint.

Como existem vários contextos cada caso necessita de uma conduta terapêutica que não se resume a receitar remédios. A influência da pessoa do médico, sua capacidade de orientação sensata, cordial e firme pode ser decisiva para que o cliente cumpra suas prescrições. Se você não confiou no médico simplesmente sai de lá sentindo-se mal amparado e provavelmente rasga a receita.

 

 Esclarecendo um pouco mais:

Iatrogenia é uma alteração patológica provocada no paciente por diagnóstico ou tratamento de qualquer tipo. Um problema iatrogênico é provocado por procedimentos médicos inadequados ou através de exposição ao meio hospitalar; inclusive o medo causado ao doente por comentários ou perguntas feitas pelos médicos que o examinam.

Sabemos que muitos medicamentos, equipamentos, cirurgias e terapias são considerados milagres da medicina moderna. Entretanto, existem diversos aspectos desses milagres.

Antigamente, as pessoas confiavam cegamente em seu médico. Havia um vínculo pessoal com o médico. Esse vínculo degenerou com a ênfase na medicina como negócio, códigos, empresas de seguro-saúde. O mercado da área de saúde não procura fazer o bem e as pessoas perderam a confiança. A iatrogenia tem um papel importante e feio nessa história.Journal of The American Medical Association (2000:284:94), pela Drª. Barbara Starfield, mostrou que nos EUA:

Um estudo publicado no

  • 12.000 óbitos por ano são provocados por cirurgias desnecessárias;
  • 7.000 óbitos por ano são provocados por erros de medicação em hospitais;
  • 20.000 óbitos por ano são provocados por outros erros em hospitais;
  • 80.000 óbitos por ano são provocados por infecções hospitalares;
  • 106.000 óbitos por ano são provocados por efeitos adversos dos medicamentos.

Isso significa 225.000 óbitos por ano devido a causas iatrogênicas, tornando a iatrogenia uma das principais causas de óbito nos EUA e esse número não inclui deficiências e outros problemas — apenas os óbitos ocorridos nos hospitais. Quando refletimos que anualmente o número de óbitos devido a erros médicos é quatro vezes maior do que o número de óbitos durante toda a guerra do Vietnã, ficamos chocados sem entender porque tal informação não chega às manchetes ou porque ainda não foram criados enormes grupos de estudos custeados pelos médicos ou pelas autoridades políticas.

 

Toda depressão deve ser tratada com medicamentos? E a tristeza?

 

Os medicamentos foram feitos para ajudar e não complicar, nunca são o centro de um tratamento porque todo sintoma manifesta-se em uma personalidade particular, portanto não se devem fazer generalizações. Então a conduta terapêutica deve ser baseada neste diagnóstico diferencial, não basta ver se a depressão ou a tristeza é leve ou grave, tem que se avaliar em quem está havendo tal manifestação, quais são os fatores sociais, familiares, psicológicos e econômicos envolvidos.

 

Os medicamentos quando bem empregados auxiliam muito, mas não substituem a psicoterapia no caso da depressão.

 

O suicida é, necessariamente, uma pessoa que tenha depressão? Ou ele pode, passando por uma fase de tristeza (frustração), tornar-se um suicida?

 

Para uma pessoa cometer suicídio tem que estar num estado alterado de consciência, a depressão é um fator que leva a esta predisposição e aparece significativamente em dados estatísticos. Mas isto não significa que há uma ligação rígida de causa e efeito. Uma pessoa deprimida, ou sofrendo, pode pensar em se matar, porém não o faz.

Parece que fatores na infância (traumas, abusos e maus tratos são temas pesquisados e encontrados), combinados com a genética específica de cada pessoa é que molda a sua personalidade deixando-a mais propensa a ser capaz de executar o ato se as condições forem propícias.   

  

Tanto um samurai quanto  uma pessoa que sofre de depressão, ou que fuma ou usa outras drogas estão num estado alterado de consciência, todos têm que estar dissociados para por fim a própria vida, mas as histórias e razões diferem. Portanto há tipos diferenciados de suicídio. Há pessoas, profissionais da saúde inclusive, que fumam, outras gostam de viver perigosamente, outras se oferecem para missões cujas chances de sobreviver são mínimas.

Portanto existem formas diretas e indiretas de suicídio. 

 

Segundo dados da OMS, três mil pessoas cometem suicídio por dia no mundo e a média de casos aumentou 60% nos últimos 50 anos. Para o senhor, quais as principais causas para este aumento?

Para entendermos o cenário atual recorro ao cálculo que se tornou clássico na literatura científica popular: o astrônomo Carl Sagan (1934-1996) propôs que se toda a história do universo pudesse ser comprimida em um único ano, os seres humanos teriam surgido na Terra há apenas sete minutos. Nesse período, o homem inventou o automóvel e o avião, viajou à Lua e voltou, criou a escrita, a música e a internet, venceu doenças, triplicou sua própria expectativa de vida.

 Mas foram também sete minutos em que a espécie humana agrediu a natureza mais que todos os outros seres vivos do planeta em todos os tempos.

Deteriorou a condição de vida de muitas pessoas também, há muita ganância e muita miséria, injustiças sociais e traumas foram se espalhando.

A natureza está agora cobrando a conta pelos excessos cometidos na atividade industrial, na ocupação humana dos últimos redutos selvagens e na interferência do homem na reprodução e no crescimento dos animais que domesticou.

A começar por seus bens mais preciosos, a água e o ar, o balanço da atividade humana mostra uma tendência suicida. Com a mesma insolência de quem joga uma casca de banana ou uma lata de refrigerante pela janela do carro pensando que está se livrando da sujeira, a humanidade despeja na natureza todos os anos 30 bilhões de toneladas de lixo. Os tufões serão cada vez mais fortes para varrer todo este lixo.

Quem mais sofre com a poluição são os recursos hídricos. Embora dois terços do planeta sejam água, apenas uma fração dela se mantém potável. Como resultado, a falta aguda de água já atinge 1,2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Quatro em cada dez seres humanos já são obrigados a racionar o líquido. Pior. Por problemas principalmente de poluição, os mananciais, que ficaram estáveis por séculos, hoje estão diminuindo de volume em todos os continentes, enquanto a população aumenta. Se a Terra fosse do tamanho de uma bola de futebol, a atmosfera teria a espessura do fio de uma lâmina de barbear. Pois bem, essa estrutura delicada vem recebendo cargas de fumaça e gases venenosos num ritmo alucinante e é claro que isto afeta todas as formas de vida.

A depressão, o suicídio e outros problemas são também um reflexo destes inúmeros fatores, miséria, pobreza, fome, falta de perspectiva na vida, maus tratos na infância, traumas, etc.

Portanto é preciso repensar os sistemas, Lester Brown apontou isto com muita sabedoria em sua obra “Por uma sociedade viável” (ed. FGV).

Creio que as palavras do chefe Seattle ao entregar, solenemente, em 1854, seu território e seu povo à soberania dos EUA, sintetiza esta relação dos homens com Gaia, o planeta Terra na visão de James Lovelock:

“Ensinem aos seus filhos o que nós ensinamos aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo que acontece com a terra acontece com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo sobre si mesmos… A terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Nós sabemos disso. Todas as coisas se ligam como o sangue que une a mesma família. Todas as coisas se ligam. Tudo que acontece à terra acontece aos filhos da terra.”

 
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Por Celso Lugão

Especializações em PSICOLOGIA CLÍNICA E HOSPITALAR. Exerce ATIVIDADE CLÍNICA fazem mais de 30 anos, tendo criado sua abordagem particular de PSICOTERAPIA ESTRATÉGICA. Possui MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Atualmente é professor do INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA UERJ tendo criado o setor de PSICOTERAPIA ESTRATÉGICA NO SPA DA UERJ EM 1988 e desde então atua como SUPERVISOR desta abordagem. Participou de forma intensiva do PROCESSO DE VALIDAÇÃO DA HIPNOSE como TÉCNICA PASSÍVEL DE SER UTILIZADA PELO PSICÓLOGO, fato este reconhecido pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPNOSE e pela SOCIEDADE DE HIPNOSE E MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. Possui experiência em várias áreas da psicologia, a saber: EPISTEMOLOGIA DAS PSICOTERAPIAS (DESENVOLVIMENTO DE REFERENCIAIS EPISTEMOLÓGICOS E CLÍNICOS; ESTUDO DAS PERSPECTIVAS ESTRATÉGICA, ESTRUTURAL E SISTÊMICA EM RELAÇÃO AO INDIVÍDUO E A FAMÍLIA) ; PSICOLOGIA CLÍNICA E HIPNOLOGIA (TRANSDUÇÃO DA INFORMAÇÃO MENTE-CORPO, PSICOIMUNOLOGIA, TÉCNICAS HIPNÓTICAS, CORPORAIS, PSICODRAMÁTICAS E ESTADOS ALTERADOS DA CONSCIÊNCIA); TANATOLOGIA (MORTE, LUTO E SEPARAÇÕES); PROCESSOS DISSOCIATIVOS (TRAUMA, DISTÚRBIO DISSOCIATIVO DA IDENTIDADE, SÍNDROME DO STRESS PÓS-TRAUMÁTICO, SÍNDROME DO PÂNICO, SUICÍDIO, DROGADICÇÃO, PSICOSES); E ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA SUPERVISÃO (TREINAMENTO, INFORMAÇÃO E FORMAÇÃO ). (Text informed by the author)

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